O joelho é uma das maiores
articulações do corpo humano e também uma das que mais sofre lesões. Essa
articulação é formada pela extremidade distal do fêmur, extremidade proximal da
tíbia, patela, ligamentos, meniscos e tendões de músculos que o cruzam. O joelho
pode ser lesionado de várias formas por ser muito vulnerável ao trauma direto
(pancadas) ou indireto (entorse), além de ser lesionado principalmente pelo
excesso de uso ou uso inadequado (regiões condrais e tendíneas são as mais
acometidas).
Nos Estados Unidos e Canadá, mais de
4 milhões de pessoas necessitam, anualmente, de tratamento médico para as
patologias do joelho. As lesões no joelho são muito comuns no meio esportivo.
Atletas das modalidades que possuem corridas e/ou saltos, geralmente se queixam
de dores em algum estágio de suas vidas competitivas, muitas vezes tendo que
abandonar o esporte. Os atletas recreativos ou mesmo praticantes de academias,
também são acometidos por estas lesões. Praticamente todas as estruturas do
joelho podem ser lesionadas, neste texto daremos enfoque às lesões mais comuns:
Lesões ligamentares (distensões), tendinite patelar, condromalácia patelar e
lesões dos meniscos.
Lesões ligamentares
Existem quatro grandes ligamentos no
joelho: Ligamento Cruzado Anterior (LCA), Ligamento Cruzado Posterior (LCP),
Ligamento Colateral Medial (LCM) e Ligamento Colateral Lateral (LCL). A maior
incidência de lesões ocorre no LCA e no LCM. O joelho é estável em extensão,
passível de rotação axial (quando flexionado), fazendo com que essa articulação
seja menos estável na flexão. Quanto às lesões, o estiramento dos ligamentos é
uma das mais comuns nos tecidos moles do joelho, podendo ser classificado como:
1º Grau - Leve
estiramento, com pequeno inchaço e sem perda da estabilidade. Neste caso o
ligamento permanece íntegro e após o trauma o indivíduo consegue andar. A dor
acontece somente no movimento e, em alguns casos, ao toque.
2º Grau - Estiramento
de cerca de 50% das fibras, presença de sinais de inflamação, com grande
dificuldade de movimentos, sendo a estabilidade preservada na maioria dos
casos.
3º Grau – Estiramento de
cerca de 75% das fibras, com presença de hematoma acentuado e perda da
estabilidade, com diástase de 10mm.
4º Grau - Ruptura
ligamentar total ou extração, com rompimento da cápsula e possível ruptura de
menisco, consistindo-se em uma lesão grave.
Distensão do
ligamento cruzado anterior (LCA)
A ruptura isolada do LCA pode
acontecer, porém geralmente, é mais comum que esse ligamento seja danificado
junto com outros ligamentos e/ou cornos posteriores de menisco. O mecanismo
básico da lesão do LCA envolve a hiperextensão do joelho, como por exemplo, um
golpe direto na parte frontal do fêmur com o pé fixo no chão.
O LCA também se distende em
atividades que exigem mudanças rápidas de direção como no futebol, handebol e
basquete (momento da “finta” ou em freadas rápidas, arrancadas) e em esportes
de salto quando não acontece uma aterrissagem firme.
Durante a reabilitação deve-se evitar
alongamentos agressivos dos músculos isquiotibiais e os exercícios devem ser
executados inicialmente com os joelhos ligeiramente flexionados.
Os exercícios de cadeia cinética
fechada são mais indicados. O fortalecimento dos isquiotibiais é de suma
importância, uma vez que eles ajudam na estabilização do joelho. Atualmente a
reabilitação desse tipo de lesão tem sido feita utilizando o agachamento como
principal exercício, pois durante sua execução não existe forças tensionais
significativas no LCA. Isso se deve em parte pela moderada ativação dos
isquiotibiais que ajudam a aliviar a tensão no LCA devido ao mecanismo de
co-contração.
O interessante é que à medida em que
se aumenta o ângulo de flexão de joelhos aumenta-se a contração dos
isquiotibiais, fazendo com que o agachamento profundo possa ser utilizado em
estágios mais avançados de recuperação. A frouxidão ligamentar do LCA lesionado
pode ser controlada em exercício de cadeia cinética fechada (ECCF), mas não em
exercício de cadeia cinética aberta (ECCA). Durante o agachamento a maior compressão
no LCA acorre nos ângulos menores que 50 graus.
Distensão do
ligamento colateral medial (LCM)
Uma das lesões mais comuns no
esporte. Geralmente é resultante de uma força externa direcionada ao aspecto
lateral do joelho, ou seja, ocorrem muitas vezes por trauma na face lateral
(externa), sendo relacionada a esportes como o futebol, judô, karatê, etc. O
tratamento consiste em fortalecer todos os músculos que cruzam a articulação
dos joelhos (quadríceps, isquiotibiais, adutores e abdutores), após a interrupção
do quadro de dor.
Distensão do
ligamento cruzado posterior (LCP)
Distensões nesse ligamento são pouco
comuns no meio esportivo e geralmente outras estruturas são afetadas. A
hiperextensão do joelho é o mecanismo mais comum dessa lesão, geralmente
ocasionado por trauma direto na região anterior da parte superior da coxa. No
tratamento deve-se focalizar o quadríceps, uma vez que esse músculo fortalecido
tende a deslocar anteriormente a tíbia, revertendo assim o sinal de gaveta
posterior. A força dos músculos posteriores da coxa deve ser estabelecida
espontaneamente sem exercícios específicos.
É importante o alongamento dos
isquiotibiais, mas sempre tendo os devidos cuidados para
não hiperestender o joelho lesionado. O fortalecimento do quadríceps
deve ser priorizado com exercícios de cadeia cinética aberta (ex: cadeira
extensora), mas em fases posteriores da reabilitação, os exercícios de cadeia
cinética fechada, como agachamentos, podem ser introduzidos, porém deve-se ter
cuidado com a angulação, pois à medida em que se aumenta o ângulo de flexão,
aumenta-se a tensão neste ligamento, sendo seguro trabalhar em ângulos menores
que 50 / 60º.
Tendinite patelar
(“joelho de saltador”)
A dor na região infrapatelar é mais
comum nesse tipo de lesão, porém outros fatores podem ocasioná-la:
·
Lesões da patela, como osteocondrite;
·
Patela com fratura de esforço ou polo inferior alongado e proeminente;
·
Hipertrofia do corpo adiposo infrapatelar;
·
Bursite ou doença de Osgood-schlatter.
A tendinite patelar está
associada com mais frequência a atividades repetitivas. Ela foi primeiramente
descrita em atletas de salto em altura (daí o nome de joelho de saltador) mas é
quase igualmente endêmica em jogadores de basquete e vôlei. Além de atividades
que envolvam saltos, atividades de corrida também costumam exacerbar esse
quadro. A dor da tendinite patelar normalmente é de fácil localização, e
acomete geralmente o polo inferior da patela, ou mais raro sua borda superior.
No tratamento, o primeiro passo é a diminuição dos sintomas, e isso deve ser
feito interrompendo as atividades que causem dor.
Tratamentos com gelo, medicamentos,
anti-inflamatórios e exercícios isométricos do quadríceps são iniciados
imediatamente e continuados até que os sintomas desapareçam. Deve-se fortalecer
e alongar o quadríceps e os alongamentos devem ser feitos pelo menos 4 vezes
por dia, ao acordar, antes e depois das atividades físicas e antes de dormir.
Durante o alongamento recomenda-se um mínimo de 20 segundos de manutenção da
posição por 2 ou 3 séries. Os exercícios isotônicos e com mais cargas podem ser
realizados assim que os sintomas de dor tiverem cessado e também não surgirem
durante a execução.
Condromalácia
patelar (“joelho de corredor”)
A condromalácia patelar é uma lesão
da cartilagem patelar devido à degeneração prematura, com amolecimento,
fibrilação e aspereza dessa estrutura, nas quais, são semelhantes às
relacionadas com a osteoartrite. A condromalácia pode ocorrer devido a trauma
direto com consequente dano condral, ou resulta de qualquer condição que
interfira com os movimentos patelofemorais habituais, tais como variações
anatômicas anormais. Essas variações podem ser causadas pelo aumento do ângulo
Q, patela alta, insuficiência do vasto medial, oblíquo e desequilíbrios
articulares. Esta lesão é mais comum em mulheres (devido principalmente ao
aumento do ângulo Q) e ocorre prioritariamente em atividades como balé,
corridas, ciclismo, voleibol, etc.
A dor é descrita como profunda e
localizada na região retropatelar e pode ser sentida ao subir e descer escadas,
em atividades prolongadas, após ficar muito tempo com os joelhos flexionados e
ao agachar-se para pegar um objeto no chão. Em movimentos de flexão dos joelhos
a dor é acompanhada de crepitação retropatelar facilmente audível ou sentida
com a mão por cima da patela. O principal sinal para um diagnóstico consiste em
mover a superfície da patela contra o fêmur. O tratamento é conservador, muito
parecido com o utilizado no procedimento da tendinite. Estimular o repouso
evitando atividades que provoquem a dor patelar, como correr, saltar, andar em
salto alto e exercícios que promovam a flexão do joelho (ex: ciclismo e subir
escadas).
A base do tratamento é constituída de
exercícios que fortaleçam o quadríceps, principalmente o vasto medial oblíquo
(VMO). Apesar de ser necessário o fortalecimento prioritário do VMO,
dificilmente essa musculatura pode ser isolada e fortalecida individualmente.
Um estudo conduzido em 1999 comparou a ativação do vasto medial oblíquo com o
vasto lateral, vasto intermédio e reto femoral em 9 exercícios diferentes, os
pesquisadores demonstraram não haver diferenças significativas entre os
músculos, concluindo então que o VMO não pode ser isolado durante os
exercícios.
É recomendado que se realize
exercícios isométricos para o quadríceps, pois não aumentam a dor, fortalecem e
envolvem movimento mínimo da patela. Já os exercícios de flexão de joelhos,
tais como agachamentos, são indicados, mas implicam em uma sobrecarga muito
grande sobre a articulação patelofemoral e resultam em exacerbação dos
sintomas. Apesar de a tensão patelofemoral aumentar concomitante à flexão do
joelho no agachamento, devemos ter em mente que o agachamento profundo, mesmo
realizado com poucas repetições e muita carga, é menos deletério que atividades
cíclicas de longa duração, pois na verdade o maior problema da condromalácia
está no alto volume dos treinos. Outro fator importante neste tipo de lesão é o
fortalecimento e alongamento dos isquiotibiais, flexores do quadril e
abdutores.
Lesões de meniscos
Cada um dos compartimentos laterais e
mediais do joelho contém um menisco fibrocartilagíneo em forma de meia-lua e de
consistência amolecida. Os meniscos ajudam a aumentar a congruência articular,
estabilizam a articulação, absorvem choques e limitam movimentos anormais, além
de ajudar na nutrição articular e na lubrificação da cartilagem. Os atletas de
final de semana são os principais candidatos às lesões dos meniscos devido ao
condicionamento físico inadequado. A cartilagem pode sofrer ruptura na direção
horizontal ou longitudinal, sendo esta última mais comum. Quando a lesão é
grande o suficiente, atingindo longitudinalmente desde o corno anterior até o
posterior, é denominada de “alça de balde” e o fragmento interno pode se
deslocar e assim produzir um bloqueio articular.
Em pacientes com ampla ruptura de
meniscos deve ser realizada a meniscectomia, mas quando ocorrida na inserção
vascular periférica, o menisco pode ser recuperado. Geralmente o tratamento
visa aumentar a força do quadríceps, dos flexores e abdutores do quadril e deve
ser combinado com exercícios para alongar os isquiotibiais e panturrilhas.
Existem especulações quanto à sobrecarga
a estas estruturas causada pelo agachamento. Estudos demonstram que o pico
de força compressiva no agachamento profundo varia de 550 a 7928N, mas nenhum
estudo consegue demonstrar o quanto as estruturas articulares e meniscos podem
suportar. A partir de observações empíricas podemos avaliar que provavelmente
os meniscos suportam bem mais que isso, basta observarmos que os jogadores de
voleibol (ou outros esportes de salto) dificilmente têm lesões nos meniscos,
mesmo tendo forças (durante os treinamentos e competições) compressivas atuando
nessas estruturas bem acima das encontradas no agachamento profundo.
Terapia com frio e
calor como forma de tratamento e prevenção de lesões
Atualmente as terapias com frio e
calor têm sido muito difundidas na reabilitação de lesões, sem contar que, e a
terapia com frio ainda pode ser utilizada na prevenção.
Crioterapia
(aplicação de gelo)
Crioterapia (crio = gelo, terapia =
tratamento) é o nome que se dá ao tratamento à base de gelo, usado há muitos
anos como agente terapêutico. Sua principal aplicação está no tratamento
imediato de lesões no esporte, na qual serve para resfriar os tecidos profundos
pela vasoconstrição, reduzindo assim as hemorragias. Atualmente a crioterapia
tem sido utilizada como meio preventivo para lesões, sendo comumente usada
pelos principais clubes e atletas competitivos. A somação do estresse nos
tendões e estruturas articulares pode promover uma deficiência nutricional
nessas regiões com consequente isquemia local, e a aplicação de gelo nessas
regiões promove uma hipotermia, reduzindo assim os níveis metabólicos e
evitando reações de hipoxia secundária, que com certeza levaria a dor e
incapacidade funcional.
A hipotermia causada pelo
resfriamento articular também favorece a agregação molecular de líquido
sinovial aumentando assim a sua viscosidade, na qual é um dos fatores
determinantes na proteção da cartilagem articular.
Os principais efeitos fisiológicos da
crioterapia são: Anestesia, redução da dor, redução do espasmo muscular,
estimula o relaxamento, redução do metabolismo local, redução da inflamação,
redução da circulação com posterior estimulação, redução do edema e quebra do
ciclo dor-espasmo-dor.
Dicas para o uso do
gelo:
1- Uso imediato nas contusões – reduz
o edema e alivia a dor.
2- Aplicar gelo
em qualquer traumatismo ou contusão. Ex: Lesões musculares (contraturas,
distensões), lesões articulares (entorses, lesões nos ligamentos), tendinites,
hematomas, etc.
3- É recomendado que a
aplicação dure no máximo 30min, sendo que na maioria das regiões 20 min já são
o suficiente.
4- Nas primeiras
24 horas das lesões mais importantes use gelo por meia hora a cada duas horas.
5- Evite pegar no sono
enquanto aplica gelo.
Contraindicações:
O gelo não deve ser usado em caso de
redução do suprimento sanguíneo (ex: Doença vascular periférica), também é
contra indicado no caso de artrite pois, aumenta a rigidez articular.
Termoterapia
(aplicação de calor):
O calor terapêutico tem efeito
trófico, promovendo a vasodilatação das arteríolas e capilares melhorando o
metabolismo da nutrição dos tecidos, aliviando a dor e aumentando a
flexibilidade dos tecidos músculo-tendíneos, além de diminuir a rigidez da
articulação, melhorar os espasmos musculares e aumentando a velocidade e volume
circulatório do sangue. Geralmente a terapia com calor é utilizada em lesões
crônicas, ao contrário do frio que é utilizado em lesões agudas.
Contraindicações:
Não aquecer regiões do corpo que
estiverem anestesiadas, edemaciadas, inflamadas, feridas com sangramento, áreas
com tumores, sobre os testículos, e sobre o abdômen de gestantes.
Estalos
A articulação pode apresentar
estalidos como de vácuo que, geralmente, não tem nenhum significado e são
comuns em articulações com hipermobilidade. Estalidos podem ser ouvidos e sentidos
em torno das articulações, conforme tendões ou ligamentos deslizam sobre
proeminência óssea, mas geralmente ele não tem significado clínico. No caso de
dor, os estalidos pode indicar lesão no menisco.
Considerações
Importantes
·
Durante o agachamento o estresse na articulação patelofemoral aumenta
quando o ângulo de flexão aumenta.
·
As forças compressivas são maiores no agachamento realizado com as
pernas mais afastas (afastamento esse de 2 x a largura da espinha ilíaca) do
que com as pernas mais próximas (pés da largura da espinha ilíaca).
·
O agachamento deve ser feito de forma lenta e controlada na fase
excêntrica, uma vez que esse movimento de descida feito de forma rápida e
descontrolada aumenta muito as forças nas estruturas do joelho.
·
O pico de força e o estresse na articulação patelofemoral foi observada
com 90 graus de flexão do joelho.
·
O agachamento é considerado mais efetivo do que o leg press para o
desenvolvimento muscular, porém deve ser usado cautelosamente em indivíduos com
disfunções do LCP e patelofemoral, especialmente em ângulos acentuados de
flexão.
·
A maior ativação dos músculos da coxa acontece no agachamento.
·
O vasto medial oblíquo não pode ser isolado de forma significativa
durante os exercícios. Um estudo feito em 1998 no Instituto Americano de
Medicina esportiva chegou às seguintes conclusões: O agachamento gera 2 vezes
mais atividade dos isquiotibiais do que o leg press e a cadeira extensora. A
maior atividade do quadríceps acontece na máxima flexão dos joelhos em ECCF e
na máxima extensão em ECCA. ECCA produziu maior ativação do reto femoral
enquanto o ECCF produz maior ativação dos vastos. As forças compressivas
tibiofemorais foram maiores na máxima flexão dos joelhos em ECCF e na máxima
extensão em ECCA. As compressões patelofemorais foram maiores na máxima flexão
dos joelhos em ECCF e na máxima flexão e na metade da extensão em ECCA.
Conclusões
·
A maioria das lesões podem ser evitadas apenas utilizando medidas
preventivas.
·
Uma musculatura forte e com boa flexibilidade ajudam na estabilização
dos joelhos e outras estruturas em geral. – Aplicação de gelo nas articulações
é mais utilizada após a sessão de treino.
·
A crioterapia é uma medida preventiva de grande valia e tem sido indicada
por grandes treinadores e profissionais de saúde.
·
A partir do entendimento dos conteúdos listados acima, podemos sugerir
que a utilização de exercícios de cadeia cinética fechada são os mais
indicados, principalmente o agachamento. Além de ter uma maior ativação
muscular, ele também é um exercício extremamente funcional, pois utilizamos
movimentos parecidos a todo instante, por exemplo no momento de pegar um objeto
no chão. Infelizmente esse excelente exercício não é bem visto por muitos
“profissionais”, mas isso se deve ao fato de estarem desatualizados ou mesmo
não terem domínio dos princípios que norteiam o treinamento desportivo. Com um
treinamento bem elaborado, utilizando devidamente a recuperação e
principalmente uma boa técnica de execução, o agachamento pode favorecer
indivíduos saudáveis ou mesmo com joelhos lesionados.